O fato é que existe o grande escândalo de Nazaré. O que vem a ser isto? Nada mais que o fato real de que Deus se fez homem, Jesus Cristo e permaneceu durante trinta anos ‘escondido’ numa carpintaria. Muitas pessoas não vêem sentido no fato de o mundo necessitar ser salvo e de o Salvador ter esperado tanto tempo. Esse parágrafo tentará iluminar, de alguma forma, esses anos da vida de Jesus.
O ano litúrgico é centrado em duas épocas distintas da vida de Jesus: os mistérios da Encarnação (Conceição e Nascimento) e Páscoa (Paixão, Crucifixão, Morte, Sepultamento, Descida aos Infernos, Ressurreição, Ascensão). São os dois grandes momentos da vida e da fé cristã. Porém, não é possível esquecer que entre um e outro existe o chamado Tempo Comum, tempo ordinário, que reflete justamente a vida oculta de Jesus que, muitas vezes, causa escândalo, conforme mencionado. Contudo, viver esse tempo ordinário, meditando a vida oculta de Jesus é muitíssimo importante, pois:
"Os Evangelhos foram escritos por homens que estiveram entre os primeiros a ter fé e que queriam compartilhá-la com outros. Depois de term conhecido na fé quem é Jesus, puderam ver e fazer ver os traços de seu mistério em toda a sua vida terrestre. Desde os paninhos de sua natividade até o vinagre de sua Paixão e o sudário de sua Ressurreição, tudo na vida de Jesus é sinal de seu Mistério. Por meio de seus gestos, de seus milagres, de suas palavras, foi revelado que nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Sua humanidade aparece, assim, como "sacramento", isto é, o sinal e o instrumento de sua divindade e da salvação que ele traz: o que havia de visível em sua vida terrestre apontava para o mistério invisível de sua filiação divina e de sua missão redentora." (515)
Interessante notar que na humanidade de Cristo encontra-se toda a fundamentação da economia sacramental, pois, é o dinamismo encarnatório de Jesus que torna possível a realidade dos sacramentos - lembrando que sacramento quer dizer uma realidade visível de uma ação divina invisível.
A vida toda de Jesus Cristo constitui-se um mistério, como já foi dito. É possível perceber alguns traços comuns neles. O Catecismo aponta os três principais:
Jesus é a revelação de Deus. A Revelação de Deus é salvífica, assim, Jesus, ao se revelar ao homem o salva e, salvando o homem, revela-se.Tendo nosso Senhor se feito homem para cumprir a vontade do Pai, os mínimos traços de seus mistérios nos manifestam o amor de Deus por nós. (516) O Cristianismo não é uma ideologia. O Cristianismo é uma Pessoa, um acontecimento, por isso que ele consegue vencer todas as ideologias.
Toda a vida de Jesus é salvadora. A Cruz condensa toda a redenção, mas essa realidade salvífica está presente em toda a vida de Jesus:
"... já em sua Encarnação, pela qual, fazendo-se pobre, nos enriqueceu por sua pobreza, em sua vida oculta, que, por sua submissão, serve de reparação para a nossa insubmissão; em sua palavra, que purifica seus ouvintes, em suas curas e em seus exorcismos, pelos quais ‘levou nossas fraquezas e carregou nossas doenças’; em sua Ressurreição, pela qual nos justifica." (517)
Por fim, todos os atos, palavras, silêncios, sofrimentos, alegrias de Jesus tinham como fim fazer o homem voltar à sua vocação primeira. Santo Irineu de Lyon foi muito feliz ao dizer que:
"Quando ele se encarnou e se fez homem, recapitulou em si mesmo a longa história dos homens e, em resumo, nos proporcionou a salvação, de sorte que aquilo que havíamos perdido em Adão, isto é, sermos à imragem e à semelhança de Deus, o recuperamos em Cristo Jesus. É, aliás, por isso que Cristo passou por todas as idades da vida, restituindo com isto a todos os homens a comunhão com Deus." (518)
Portanto, toda a história da Humanidade está condensada na vida de Jesus Cristo. Da mesma forma, toda a história da Igreja está recapitulada na vida de Jesus Cristo. Mais ainda, a vida de cada homem, de cada mulher está condensada na vida de Jesus Cristo, pois, de uma maneira ou de outra, todos viverão aquilo que Jesus viveu e do modo como ele viveu.
É impossível meditar a vida de Cristo e não encontrar a chave de leitura de sua própria vida. É muito difícil não enxergar Maria, os discípulos, Pedro, os milagres, as angústias, a traição em sua própria vida. Tudo o que se vive sobre esta terra pode ser recapitulado na meditação da vida de Jesus. Daí a importância do Santo Rosário, pois, meditando os mistérios da vida de Jesus iluminaremos o caminho que devemos seguir rumo à vida eterna.