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O mistério do Natal

 

O mistério do Natal deve ser saboreado e, para isso, o Catecismo começa esse tópico apresentando dois textos litúrgicos, um da Igreja Oriental e outro da Ocidental. O objetivo dessa apresentação é mostrar justamente que Deus inefável, Criador do universo, fez-se pequeno, um menino na gruta em Belém.

Trata-se de um ‘escândalo’ difícil de ser compreendido. Mesmo quem está acostumado com o Cristianismo, para perceber a profundidade desse mistério, é necessário, antes de tudo, que se escandalize intelectualmente diante dele.

Existe uma tendência, desde o início do Cristianismo, em se amenizar esse escândalo. Ela consiste na tentativa de se colocar em termos racionais, aceitáveis, aquilo que agride a intelectualidade. A razão humana diz que Deus, infinito e inefável, não pode se fazer homem. Porém, se o homem levar a racionalidade até o fim chegará na pergunta: “mas, como é que o Onipotente não pode?” Ora, a onipotência de Deus se manifesta na sua capacidade de fazer-se impotente.

Os antigos filósofos não aceitavam a possibilidade de que Deus pudesse ‘amar’ o homem. Que o homem amasse a Deus, tudo bem, mas, o contrário jamais. Porém, o grande mistério do Cristianismo se manifesta justamente nisso: Deus é o filantropo, aquele que ama o homem.

Existe uma corrente atual que tem dificuldade em crer que Deus Criador tenha se feito homem. Negando este fato, esta corrente - bastante numerosa - nega também tudo o que é decorrente dessa verdade, por exemplo, a virgindade de Maria, a concepção, a encarnação, os milagres etc. Eles querem reduzir tudo ao padrão empírico e tudo o mais é metáfora.

Por trás da metáfora está a ideia de que no homem subsistem as duas realidades: a divina e a humana. O filósofo moderno crê que a metáfora de Deus que se fez homem é apenas o simbolismo da ideia final de que a divindade está no homem. Alguns mais ousados dizem: o homem é deus.

O Cristianismo seria apenas uma metodologia para fazer o homem enxergar que ele é divino, é deus. Jesus seria o mito, o simbolismo que diz que o homem nasce da divindade.

O batismo, portanto, seria apenas um ritual para que o homem tome consciência de sua natureza divina, de sua filiação divina. Assim, o que acontece é o esvaziamento do conteúdo do Cristianismo, transformando-o numa mixórdia empirista, simbólica, metafória. Um faz-de-conta, uma pedagogia que serve para ensinar ao homem que ele é divino. É isso que os teólogos modernos radicais estão ensinando.

Os tais teólogos têm dificuldade em aceitar que Deus intervém na História. Para eles, tudo deve seguir a racionalidade típica do homem moderno. Falar em milagres, na ação de Deus mundo pode fazer com o que o homem moderno não aceite o Cristianismo. Assim, como o homem moderno não está disposto a aceitar o cristianismo como ele realmente é, o que se deve fazer, então, é mudar o Cristianismo.

Ocorre que esvaziando o Cristianismo de seu conteúdo esbarra-se novamente na questão inicial, que é a de que não é possível Deus se rebaixar e amar a sua criatura. Isso só pode significar que ou Deus não ama o mundo ou Deus é muito pouco divino. É um pensamento hegeliano, de quem não acredita no transcedente, somente no imanente. Assim, para que a racionalidade fosse salva, foi preciso destruir a Boa Nova.

Com a destruição da Boa Notícia, o homem está novamente abandonado à própria sorte, em sua miséria. Se assim é, não existe realmente o divino, apenas o homem divino, que está sozinho em sua miséria. Olhando com realismo para a triste realidade pregada pelos filósofos/teólogos modernos, não há outra alternativa para o ser humano que não o desespero, o paganismo, o auto salvamento.

O Catecismo coloca o ser humano diante do escândalo de Deus, rico, infinitamente soberano que se faz pobre. Esse escândalo deve ser aceito na fé, primeiro, para somente depois começar a raciocinar e perceber que existe sim uma racionalidade nesse escândalo. E que, justamente isso, é que dá racionalidade à vida dos homens. Esta é a dinâmica da teologia. Partir da revelação para somente depois chegar-se à racionalidade.

Portanto, o mistério do Natal é o fato de que “Jesus nasceu na humildade de um estábulo, em uma família pobre; as primeiras testemunhas do evento são simples pastores. É nesta pobreza que se manifesta a glória do Céu. A Igreja não se cansa de cantar a glória dessa noite.”(CIC 525) O grande escândalo: Deus Onipotente fez-se homem na pobreza e na humildade. A graça de Deus não ‘quebra’ a natureza, mas é um outro mundo que visita este mundo. Deus vem neste mundo, não o quebra, mas o eleva.

São Leão Magno, no famoso Tomo a Flaviano, diz que “Deus sem perder o que tinha, assumiu o que não tinha”, ou seja, Deus não perdeu a sua divindade, mas assumiu a nossa humanidade. Não perdeu nada, a raça humana é que ganhou, foi elevada.

A palavra que a Igreja usa para designar o nascimento de Jesus é mistério, pois é mais do um milagre. É um mistério de amor, pois ultrapassa a capacidade humana de entendimento.

O mistério do Natal é o maior e o mais importante. Mas existem outros que serão contemplados rapidamente. O primeiro é o da circuncisão de Jesus.

Sabendo que circuncisão é uma intervenção cirúrgica realizada no oitavo dia de vida do bebê do sexo masculino, no qual era cortada a pele que recobre a glande no pênis, cientificamente chamada de prepúcio. Este ato simbolizava a introdução daquela criança na “descendência de Abraão, no povo da Aliança, de sua submissão à Leo e de sua capacitação para o culto de Israel, do qual participará durante toda a vida. Este sinal prefigura a circunsição de Cristo, que é o Batismo”. (527)

Além disso, o derramento do sangue representava a celebração da aliança de Deus com o povo de Israel. Jesus submete-se a esse ritual também.

Outro mistério é a epifania, ou seja, a manifestação da glória de Deus que, originalmente, na liturgia, se identifica com a adoração dos magos, as bodas de Caná e o batismo de João. A adoração dos magos significa que os povos pagãos, com suas religiões pagãs, convertem-se e vem para Deus.

O seguinte é a apresentação de Jesus no Templo, onde se observa novamente o cumprimento das leis judaicas. Por fim, a fuga para o Egito. O que se percebe, nesses mistérios, é como a vida de Jesus já está marcada desde o começo pelo sofrimento pascal, pela fuga, pela dramaticidade.

A chamada vida oculta de Jesus também está envolta em mistério. A submissão de Jesus à Maria e a José é bastante significativa, pois remete ao quarto mandamento da lei de Deus. É a semente da obediência que culminará com a cena no Monte das Oliveiras.

Finalmente, a perda e o encontro de Jesus no Templo que representa a obediência maior de Jesus à vontade divina.


Fonte da Notícia: Padre Paulo Ricardo - CIC Publicado: 27/09/2016
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